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Acalento Pro Caos

Certa vez conheci um rapaz através de um aplicativo de relacionamento. Os encontros nunca eram apenas sexuais e isso me conquistava. Entre jantas com salmão, drinks exóticos, doces diferentes e cafés da manhã ostentadores; trocávamos carícias, diálogos inteligentes, histórias do passado, assistíamos seriados, cuidávamos um do outro.
Ele dizia que seu objetivo era me tirar um pouco do caos que minha vida andava. Eu achava isso fofo. Eu gostava de ir na casa dele, gostava de estar com ele, queria estar toda semana lá. Mesmo assim eu sabia que me envolver com ele era um erro, que eu iria me machucar.
Aquele aquariano me lembrava outro que outrora amei mais que pude... E eu sentia que o inferno me alcançava novamente.
Eu não conseguia dizer não... Eu estava sempre disponível, estar com ele passou a ser minha prioridade.
Ele tinha uma vida sexualmente bem ativa, muitas mulheres, muitos encontros, muitas surubas acontecendo todas as semanas... Eu acabava ficando de lado, as outras propostas eram "mais tentadoras". Seria fácil desistir usando esse desapontamento de ser deixada de lado, ser a segunda opção, pra me afastar. Contudo ele vivia dizendo o quanto era bom estar comigo, o quanto sentia minha falta, como tinha vontade de estar comigo... Uma vez, eu com problemas ginecológicos estava impossibilitada sexualmente, fui convidada ainda assim a ir a casa dele no intuito de apenas jantar, assistir um filme nunca antes assistido e dormir de conchinha... Porém a história foi beeem diferente da promessa feita.
Chegando descobri que teríamos que acordar cedo no outro dia, o que reduziria nossas horas juntos, isso já me desmotivou um pouco, pois éramos pra ter nos visto no dia anterior e ele transferiu o encontro. Era véspera de feriado, teríamos a noite mais a manhã toda, mas ele relatou estar cansado demais... Talvez as duas canecas e os dois pratos que encontrei sujos na pia explicasse seu cansaço na noite anterior, um cansaço que necessitou de um duplo café da manhã!!!
Tomei banho, vesti meu pijama e fui pra cozinha ajudá-lo a cozinhar... No meio da produção culinária veio a notícia: "está vindo aí um casal de amigos meus pra transar!"
Eu fiquei perplexa e perguntei quanto custava o pernoite... Ele tentou amenizar: "mas vou dizer que não vai rolar porque imagina nós cozinhando na cozinha e ele fodendo na sala."
Passou um tempo e ele: "tu é atriz né?! O casal tá vindo aí, não posso dizer que não, já disse não uma vez e posso perder... Mas tu sendo atriz preciso que diga que tu não estás bem, que eu preciso ficar contigo pra eu não participar e te dar um apoio."
Entendi como um acordo de que ele iria ceder a casa para o casal, mas em nada afetaria nossa noite... Entendi errado!
O casal chegou, ele era amigo de longa data, ela uma desconhecida de mesmo apelido que eu, eram nada atraentes sexualmente, cara de malucos, ele quase albino dos dentes separados, ela o dobro do meu tamanho com os cabelos desgranhados, não gostei deles... A janta ficou pronta e ele serviu apenas o meu prato. Jogou um colchão no meio da sala, ligou a luz negra, o pisca-pisca na janela e ficamos ali, ouvindo música, eles fumando maconha e bebendo, eu bebendo e jantando a comida que havia sido preparada especialmente pra mim.
Ele tinha esse dom de me fazer me sentir especial com palavras, gestos e ações... Mas era só mais uma ilusão minha. Levantei do sofá, fui em direção a cozinha pra repetir a janta e ouvi os estalos dos beijos... Pelo ruído não eram só o casal a se beijar. Ele foi até a cozinha me "auxiliar" e fazer um drink. No retorno, o casal já estava transando e ele começou a alisar minhas pernas: "tu tem certeza que não pode mesmo?"
Eu respondi que não, que não estava brincando quando falei por mensagem que não poderia transar, mas que ele fosse participar então da transa em andamento na nossa frente. Ele prontamente saiu do meu lado e foi participar da suruba...
O amigo chegou a me chamar algumas vezes pra participar e eu neguei, segurando meu celular, contabilizando os minutos pra aquela sessão pornô terminar, pensando se trocava o pijama ou chamava o Uber e iria embora usando pijama mesmo!
Ele fez questão de pegar a camisinha pra me provar que usava camisinha com as outras (na empolgação algumas vezes não usamos e eu o questionei sobre isso). Ele repetiu pra aquela estranha as mesmas ações e frases que fazia/falava pra mim no ato.
Me retirei pro banheiro e fiquei lá por muitos minutos até ouvir os gemidos de gozo de todos e uma movimentação de que tinha se encerrado a sessão fodeção.
Eu pensava muito na minha personagem Graça e seu envolvimento com o tarado do Luciano... Pensava que finalmente, depois de 10 anos de existência do meu monólogo, eu haveria achado alguém em quem me inspirar na hora de fazer a cena da suruba.
Comecei a escrever um texto aqui no blog, mas o perdi de tanto desligar a tela quando alguém se aproximava. Sentei no sofá novamente, ele foi no banheiro se lavar... por alguns instantes na penumbra pensei que fosse o amigo que tinha ido ao banheiro e era ele que seguia metendo de quatro na gorda, só que dessa vez sem camisinha... Foi um alívio ver ele voltar do corredor vestido e sentando ao meu lado novamente.
Ele ficava me encarando e rindo. Certamente pra tentar advinhar meus pensamentos, meus sentimentos com relação ao que acontecia. E eu tentando manter uma cara de paisagem, mas por dentro totalmente incomodada, constrangida, decepcionada, me sentindo enganada por falsas promessas, iludida, determinada a nunca mais botar os pés naquele apartamento.
Fim do ato, a Mari perguntou se éramos namorados... Ele não respondeu, o amigo disse que sim e eu disse que não: "somos apenas Tinderianos!"
O casal riu da minha definição, vestiram-se, juntaram seus pertences e foram embora... (ela nem sequer limpou a porra do meio das pernas ou da cara)...
Enfim... Ele trocou os lençóis, organizou a sala... Serviu finalmente a janta pra si e comeu já fria... Em seguida comemos a sobremesa que ele me ensinou a fazer. Ligou o seriado que sempre assistimos juntos, deitamos no colchão e nos aninhamos pra dormir de conchinha.
A esse passo aquela minha convicção de "nunca mais" tinha caído por terra. E eu, mesmo que com muito nojo e frustada com toda a situação ocorrida, estava feliz e me sentindo amada nos braços dele.
Gostaria muito de entender que forma meu subconsciente define a quem entregar meus sentimentos, pois eu tenho em mente exatamente o que eu quero/preciso/mereço pra mim, mas acabo sempre gostando de pessoas totalmente opostas a isso.
Ao se despedir no dia seguinte ele pediu muito que eu retornasse a noite, não precisaríamos acordar cedo, me prometeu uma janta e um café da manhã espetacular e que seríamos só eu e ele.
Relutei em aceitar o convite, ainda com a convicção que preciso me afastar pra não me machucar mais... Mas conforme o dia foi passando, a vontade de estar com ele era maior que raiva pelo ocorrido na noite anterior. Decidi ir novamente, com o intuito de anunciar que esta seria nosso última vez, nosso último encontro.
De mochila pronta, saí do trabalho e iniciei a jornada para encontrá-lo. Porém ele pediu que eu descesse em outro ponto, pegasse um Uber e fosse ao encontro dele em outro endereço... No princípio achei que fosse o endereço do bar onde ele faz Free, pois ele falou que iria trabalhar lá a noite. Mas pesquisei o endereço e era num prédio. Em seguida ele mandou o número do apartamento. E toda a cena da noite anterior me veio a cabeça, só que desta vez em outro ambiente que não a casa dele.
Desviei o caminho pra minha casa... Decidi ouvir a voz da cabeça e não do coração. Mandei um recado relatando que não iria, mas deixando em aberto os próximos encontros...
Ele me respondeu: "me deixou sem janta e sem café da manhã... Me deve uma!"
Mal sabia ele que essa dívida não irá ser paga...
Então aquele que se orgulhava em ser um acalento pro meu caos, acabou virando ele mesmo o motivo do meu caos...
Vida que segue!
Mariana Lohmann
(22/06/2019)

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