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Abortando A Ideia De Ser Contra

Tenho lido cada bobagem sobre a legalização do aborto que me senti cativada a escrever sobre esse tema.
Quantas pessoas que se dizem contra o aborto passaram por situações de aperto pra criar e alimentar seus filhos? Quantas dessas pessoas passaram fome e choraram por não ter como comprar um pão ou um leite? Quantas dessas pessoas já pararam de pensar em si e pensaram nessa criança que vem ao mundo sem ter pedido nada, se deparando com o mundo cruel em que vivemos?
Bem, eu tive meu filho com 21 anos, estava na faculdade e namorava o menino fazia um mês. E por que não me cuidei ou cometi tal "deslize"? - muitos podem estar me perguntando agora. Porque o menino era inexperiente demais pra conseguir usar camisinha; porque eu era jovem demais e me deixava levar pelos impulsos sexuais; porque eu morava no campus da universidade sem depender dos pais e tinha que optar entre me alimentar ou comprar o maldito anticoncepcional  (vale ressaltar que só parei de tomar por um mês porque não tinha como buscar as amostras grátis que a gineco da minha mãe me dava e isso foi o suficiente); porque a pílula do dia seguinte se tomada em excesso causa sangramentos, dor e muitos efeitos colaterais... E podia citar muitos outros motivos, mas o mais importante é que nós dois sabíamos o que estávamos fazendo e sabíamos das consequências que isso poderia nos trazer.
Nunca foi uma opção tirar meu filho porque eu o amei e amo desde o primeiro dia que o senti ali dentro. Também não quero culpar o menino por sua falta de jeito com a camisinha e por me fazer ceder as suas vontades, mas sejamos honestos: não foi ele que carregou a criança por 9 meses no seu ventre; que sentiu as transformações no seu corpo em ritmo acelerado; que engordou durante a gestação e muito mais no pós-parto; e que teve depressão pós-parto durante muito tempo...
Também nunca tive problema de "aborto masculino", o pai do Samuel sempre cumpriu sua função de pai, mesmo que algumas vezes tenha sido ausente na vida dele, atualmente estamos em briga judicial pela guarda do nosso filho.
E agora há quem possa me dizer que sou a prova viva de que é possível criar uma criança vencendo as "enes" dificuldades. Sim é possível! Mas não se pode generalizar as situações. O que eu passei e ainda passo para criar o Samuel é diferente do que poderia acontecer com outra pessoa ou mesmo com um outro filho que eu poderia/possa ter.
Lembro-me que no auge dos meus 20-21 anos eu me dizia contra o aborto, achava isso o fim! E isso sem nenhum cunho religioso, pensava apenas que a vida da criança não poderia ser responsabilizada pelo "erro" dos pais, que se a pessoa não pudesse criar haveria quem pudesse e acreditava cegamente nisso. Mas a vida ensina. Foi por ter passado por tantas coisas que percebo o quanto era fácil falar e julgar situações que eu nunca havia vivido.
Alguém já foi num orfanato? Alguém já foi em lares destinados a crianças com HIV ou simplesmente rejeitadas pela família? Ou ainda alguém já viu quantas crianças são tiradas de famílias destruídas pelas drogas e pelo tráfico?
Se a adoção fosse menos burocratizada no Brasil (além da burocracia normal, ainda há quem seja contra a adoção por casais homossexuais ou por mães e pais solteiros, ora, o importante não é que as crianças sem lares sejam acolhidas?); e se não houvesse o risco tráfico de órgãos ou de crianças para o exterior ou mesmo se não houvesse escravização e exploração infantil seria lindo dizer: "se você não quer tem quem queira"!
As pessoas que se dizem contra o aborto nunca enfrentaram situações limites em suas vidas e se enfrentaram acreditaram ser obra divina. Em 2013, pós faculdade, passei por maus bocados, morei em casa de amigos, adquiri dividas, trabalhei por menos de um salário mínimo, só não passei mais fome porque trabalhava com alimentação e quando dava trazia as sobras pra casa ou torrava uma parte do meu salário comprando comida no trabalho. Por um tempo trabalhei de noite e tinha que levar o meu filho pro trabalho muitas vezes porque o dindo não podia ficar com ele, sem contar, que era obrigada a fazê-lo andar muitas quadras de madrugada no frio para retornarmos pra casa. 
Fora isso teve outras situações que não é o caso contar aqui, mas o fato é, que em meio ao caos que estava minha vida, eu me vi na possibilidade de estar grávida de novo e desta vez de um colega de trabalho mulherengo, que não gostava de crianças, muito mais novo que eu e sem nenhum amor no coração. E agora? E se realmente eu estive grávida dele, na situação em que eu me encontrava, de onde tiraria forças pra ter outro filho? Eu mal conseguia alimentar um e sabia que não teria o apoio do pai da criança, ou pelo menos não o apoio que eu precisava receber naquele momento. Nós, as mães solteiras, sabemos que esperamos mais que dinheiro de um pai, coisas que meu colega não poderia me dar na época. Em meio a isso, todo aquele pensamento de ser contra o aborto (ao som de violinos) caiu por terra... Se realmente eu tivesse grávida seria incapaz de criar outra criança sozinha, e antes que ela sofresse pelo o que estava previsto na vidinha dela, preferia que ela não viesse ao mundo.
Hoje ainda não me encontro numa situação legal para ter outro filho, mas se acontecesse acho que enfrentaria o desafio de ser mãe solteira outra vez. Li um texto mais cedo que falava exatamente sobre como me posiciono agora, a beira dos meus 29 anos, sobre essa temática do aborto e destaquei algumas citações;

“Eu explico: eu sou contra o aborto em mim, mas, por uma questão de saúde pública, sou a favor da legalização para quem, por algum motivo (e podem existir vários, diversos, alguns até que a gente nunca imaginou) escolhe esse caminho. Não conheço as histórias de todas as mulheres que fizeram, fazem e farão essa opção. Então, simplesmente não dá para julgar.
Ter um filho é algo que vira sua vida de cabeça para baixo, que muda tudo e que, às vezes, até te sufoca com tanta responsabilidade. Ainda que isso aconteça de maneira planejada, desejada, em um lar cheio de amor, com mãe e pai plenamente absorvidos pela paternidade e dedicados à tarefa de cuidar daquele novo ser, é EXTREMAMENTE difícil. Imagine quando a situação não se parece em nada com isso? (...)

Ninguém é a favor do aborto dessa maneira, como apontam os tais pró-vida/contra aborto. Ninguém acha legal ou acorda de manhã pensando: “Nossa, que dia maravilhoso. Quer saber? Acho que vou ali fazer um aborto” ou então “Ah, dane-se. Não vou usar camisinha. Daqui a alguns meses faço um aborto e pronto”. É uma decisão trágica, desesperadora e que marca para sempre a vida da mulher. (...)

Sou contra o aborto, sim, em mim. Por isso não faço. E se você é contra o aborto também, que ótimo: simplesmente não faça também. Mas sou a favor da legalização do aborto, porque sei que as mulheres que decidem fazer, vão fazer de qualquer maneira. Que pelo menos elas possam fazer isso de maneira segura, sem arriscar a própria vida. Que existam menos Jandiras, menos Cláudias, menos Marias e menos Antônias. Afinal, somos ou não somos a favor da vida?”
(texto completo em: http://casacozinhaefraldatrocada.com.br/2015/02/12/por-que-nao-vou-postar-uma-foto-da-minha-barriga-em-uma-campanha-contra-o-aborto/)

Então é isso, abortos existem desde que o mundo é mundo, seja por clínicas bonitinhas, açougueiros, uso de medicamentos ou ervas (só perguntarmos para nossas avós e bisavós quais chazinhos são bons pra resolver esse tipo de "probleminha"). E se sempre existiram, vão sempre existir. Que seja ao menos com um mínimo de segurança e sem julgamentos, porque isso pode acontecer a qualquer um.

Obrigada pela paciência em ler tudo isso!

"Nunca foi uma opção tirar meu filho porque eu o amei e amo desde o primeiro dia que o senti ali dentro."
Mariana Lohmann (15/02/2015)

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